Às vezes o ar pausa. Madrugada a dentro, às vezes, o tempo que passa a nossa volta entra em câmera lenta e percebemos ela nos cantos: a solidão fazendo companhia em nosso silêncio. E solidão é um tipo de portal, altera o tempo.

Em momentos assim, olhar para cima no silêncio mundano e se deparar com o céu, o maior de todos os buracos vazios, mas, estrelado, é como contemplar um abismo vivo e não ser destruído por ele. É sensação de frio no estômago quando se cai. É como cair subindo, ou subir caindo.

Como lua, me sinto escondida entre galhos de árvores, baixa, como se tocasse o chão cedendo à tentação da gravidade terrena. Como se todas as minhas experiências gravadas em minhas memórias, as memórias que me fazem e que eu as guardei pelo afeto que elas me causaram, condensassem. Coagulassem.

É como olhar toda a sua vida para trás de fora e perceber que acabou de se conhecer. De saber quem é e porque é. O que foi e o que será a partir de agora.

Algo se abriu e trago capotando coisas do inconsciente para a luz da consciência. Pensamento, sentimento e razão viram elementos de alquimia, estou internada dentro mim mesma, coagulando velhas feridas, relendo minhas cicatrizes outrora ignoradas, instalando meu regulador. Remédios só anestesiam, não consertam o regulador, e por ser biológica a deficiência, preciso criar meus reguladores.

Me disseram que não se volta ao passado para consertar o que fizeram com a gente, mas que tudo o que fizeram não nos define, o que nos define é a suplantação disso tudo: somos do tamanho daquilo que conseguimos transcender. O problema vem para nos honrar, mostrando o tamanho que somos, nossa capacidade de superar a nós mesmos e sair do outro lado maiores.

Ora sou pôr do sol, ora pôr de lua. Às vezes preciso de água para refrescar o que me pulsa, mas às vezes preciso do calor como uma intervenção para despertar de manhã. E eu preciso aprender a nadar para querer a água, tenho que aprender a queimar para desejar o sol.

Alguém, todas as madrugadas rega a Terra com orvalho gelado. Já o percebi, de outras datas. Eu e ele, por várias vezes assistimos juntos ao breve encontro dos astros no céu pelo portal que a solidão abre. Sinto ouvir os sussurros deles lá em cima, ela provoca:
“Acompanhe minha cheia”, ela diz enquanto se vai.
“Impossível não atendê-la”, ele me diz, sem tirar os olhos dela.
Eu, só concordo. Eu, pobre de mim…

Só se capta momentos assim quando a solidão se faz presente. Será que poesia precisa sempre de sangue novo? Eu sempre levo um susto enorme quando eu já senti tanto, olho no relógio e ainda é de manhã. O Tempo sempre me judiou com suas contas que não fecham, mas batem, espancam. Me disseram que preciso aumentar minha rede de apoio, estou fazendo isso.

E tem a serpente, presente, desde sempre. No começo, eu pensava gostar de cobras devido a dualidade em sua capacidade de se mover tanto na terra quanto na água. Depois a reconheci na mitologia egípcia, na cobra Uroboro, que morde a própria cauda simbolizando a eternidade e o ciclo contínuo da vida, morte e renascimento. Mas para renascer precisa curar, diz a serpente no caduceu, símbolo da medicina, da cura.

Jung falou muito sobre a serpente, interpretada como um símbolo que representa várias qualidades e aspectos da psique humana. Ele via a serpente como um símbolo que liga a mente consciente à mente inconsciente e que a sua importante dualidade não era aquela que eu gostava, ligada a terra e água, mas sim o seu símbolo de conflitos internos, como luz e sombra, consciente e inconsciente da psique e seus possíveis nós no caminho. Associada à sexualidade e aos instintos humanos, ela pode simbolizar desejos profundos e impulsos naturais… os impulsos. Na alquimia, a serpente era vista como um símbolo do mercúrio, um dos elementos alquímicos que representa a transformação espiritual.

É nesse momento da minha vida, aos longos e tão curtos 36 anos, que derramo minha pele velha para sair do outro lado com uma nova. Por algum motivo, lembro da cobra estar sempre latente em meu inconsciente, talvez eu tenha afinal a capacidade de renovar minha psique. Será que o inconsciente conversa com a gente deixando recados codificados?

Viverei mais naturalmente minhas experiências, e isso significa não me deixar mais oprimir por minha má persona leonina defensiva, e sim me libertar dessas amarras pela força positiva que um leão carrega, o amor, o coração do zodíaco. E sei que isso será um trabalho contínuo da eterna cobra mordendo o rabo e que Deus me dê sempre a humildade da sabedoria, e a sabedoria da humildade.

Também me disseram: “Você não é louca da cabeça, você é louca do sentimento, e quem disse que muito sentimento é ruim? Você descobriu que tem um super poder, agora você só precisa aprender a controlá-lo!” (Eu nunca, jamais, vou esquecer essa frase e como ela me afetou).

E eu sei exatamente como escolher onde colocar essa intensidade agora, e pouco a pouco ir aprendendo a segurar a volta do pêndulo. Eu sou quem sempre ficou e fica ao meu lado, assistindo a minha própria vida pelo lado de fora e de dentro, me afogando em meu próprio transbordo de sentir grande e errado, sentindo os medos que não me lembro entrando pelas minhas narinas. Aí sempre depois de afogar, volto a vida, para logo morrer de novo.

É hora de aprender a nadar nesse mar que sou, buscar o ar, construir um porto calmo com a luz necessária para me direcionar na escuridão dos meus maremotos. Volto-me agora ao meu início, para organizar meu ascendente.

Espero um dia, começar a escrever aqui possíveis soluções, reflexões e boas estratégias para aqueles que, assim como eu, compartilham transtornos em suas histórias mas sabem que podem conduzir a sua própria barca por águas melhores. Tudo é capacidade, basta desenvolver a habilidade necessária.

A Jornada do Diagnóstico – Diário de Bordo(er)