Notas de um ano de descobertas
Na simplicidade de um dia que acorda, o Sol, rei que se veste de pássaro tímido, todo sorridente me entrega um dia novo. É como se o universo tão vasto, se encolhesse para caber na vida de quem abre os olhos de manhã e agradece. Ascendo o incenso que faz do perfume uma bailarina a dançar no ar e faço a minha oração, como uma criança que diz bom dia ao Pai (e aí, a sensação boa de ter um pai).
Passo o café ainda em silêncio, como ritual, para despertar os meus sentidos físicos e acolher minha alma que acordou. Abro o livro que eu quiser, alongo o corpo que habito, ouço música, falo dos meus sonhos para a minha gata – que sempre me responde. A felicidade é feita de palavras miúdas, de rãs que sabem os segredos do brejo, de travesseiros que já ouviram gemidos de prazer e também de choro, de conchas achadas na beira do mar e agora em minhas prateleiras cheias de lembranças sorrisos.
Nas entrelinhas da vida simples, a alegria mora na capacidade de enxergar o extraordinário no ordinário. A felicidade é um estado de espírito que não se deixa aprisionar por definições, regras ou planos muito elaborados. Felicidade é capítulo de um livro que nunca acaba, não é um destino, mas uma jornada, uma constante descoberta daquilo que sempre está nu e ao alcance de nossas mãos mergulhadas no agora. O amanhã não é meu.
Entre planos miúdos e sentimentos profundos, surge para mim a poesia da vida simples. Poesia alada, que voa do meu peito pelos céus como mensageira que convida a mergulhar nas águas do presente, sem pesos feitos de passados… e a felicidade tá ali, se refletindo como lua no rio sereno com temperatura ideal.
Cada sorriso e cada lágrima compõem rima perfeita nas páginas em branco do dia, aí saio escrevendo com minhas ações e escolhas, grandes e miúdas, em versos que contam a história de uma felicidade que quer muito morar nos detalhes, no simples, no quintal ensolarado ou molhado, no beija-flor que me visita enquanto tomo o café à toa, no obrigado do cliente no trabalho e até nas reclamações do cliente mal humorado, no bom dia no trânsito ao carro do lado, nas conquistas despretensiosas e no silêncio que acalma.
Quero ser artista da existência, e a minha vida é um quadro que um dia acabo. Felicidade tem que ser uma companhia de jornada, bússola, termômetro. Sofrer muito para depois ser feliz não faz mais sentido para loucos como eu que desconfiam que tristeza não leva à felicidade alguma – e olha que tenho uma vasta experiência em sofrimentos diversos grudados nas solas dos meus sapatos.
Lembro-me de quando criança querer coisas grandes, como por exemplo, descobrir onde ficavam os olhos miúdos da flor que desabrochava à sombra das árvores que conheciam o sussurrar do vento. Na adolescência, eu desconfiava que as palavras eram orvalhos que brotavam da terra, enquanto o Sol, poeta, organizava com seus raios as linhas da escrita viva. Eu achava que havia um sol apaixonado para cada lua derretida no mundo, mãos que nunca se soltam aconteça o que acontecer. Eu achava tanta coisa enquanto me achava… e muita coisa no caminho me foi arrancada. Chego ao final do ano resgatando pedaços roubados de mim.
Já adulta, eu “Queria ser capa de vinil, que sobrevive desbotada, marcada pelo tempo e pelas dedicatórias. Queria ser dedicatória, ser dedicada, dedicar… colocar a vida na agulha pra tocar.” (Ando me lendo, textos e livros meus antigos – e é estranho, eu não tinha o costume de ler os meus próprios escritos. Sinto tanto orgulho de, aos trancos e barrancos, nas subidas e decidas, nos erros e nos acertos, ter sido sempre eu. Esse eu que não é mais o mesmo, mas ainda o é).
Não vou mentir, eu tenho planos grandes. Em minha nova listinha de planos, há objetivos como o de começar a seguir o “Tsukimi”, que significa “ver a lua”. Um costume no qual os japoneses se reúnem em família ou com amigos ao ar livre para apenas admirar a lua cheia e escrever poesias à mão, geralmente durante o 15º dia do oitavo mês do calendário lunar japonês (que corresponde a setembro no calendário solar).
Eu mesma estou nesse novo caderninho de planos, também sou objetivo. Me assumi louca varrida, sinceramente entregue as mudanças e reconstruções, sou a soma das cartas do Louco e do Eremita no Tarô secreto. Tornei-me uma transeunte descalça nesse jardim de prosa poética da vida que posso alcançar dentro das possibilidades que tenho, como uma borboleta que desenha no ar a efemeridade da vida simples. E quero raízes, para crescer alto, dar sombra e alimento a quem se aproxima.
Pronta para entrar em um Dezembro sem lutos e lamentos, um mês em formato de porta de saída de um ano gigante, prestes a abraçar um 2024 que está logo ali me olhando e ansioso para me abraçar demoradamente, me dar as boas vindas e me dizer coisas bonitas.