Perdemos o fio da história, sujamos o ponto de vista. O homem virou farelo de si: despedaçou-se na modernidade e, agora, a pós-modernidade o pulverizou. Inventamos mais senhas que caminhos. Estamos lotados de logins e esquecemos o rosto. Vazios de identidade. Já não conversamos com palavras moles, mas com pedras duras chamadas convicções. Agora discutimos não para compreender, mas para afirmar.

A Terra possui homeostase a nível sistêmico. Gaya é um ser vivo tanto para os originários quanto para a ciência moderna. Para o capitalismo, mera fornecedora de matéria-prima e estoque de lixo. O que deixamos para as gerações futuras é grave, a nível de extinção de espécies. Metidos a eficientes, andamos tão rápidos que prever como estará tudo daqui 10 anos parece impossível. Se aparecer o fim da estrada, nem vamos ver a tempo. A percepção da crise faz parte da consciência.

O problema não é mais só capitalismo, patriarcado, homocentrismo ou qualquer palavra grande. Isso tudo já é superfície. O problema é íntimo, miúdo e enorme: chama-se consciência. A civilização anda sapateando em cima dela. Talvez a pergunta mais importante nos próximos tempos seja justamente: o que é consciência? Vivemos o mais perigoso momento da história da humanidade, que tenta nos ensinar a viver em colaboração.

A consciência torna possível a ciência, mas a ciência explicar a consciência é como tentar explicar o próprio fenômeno que a fundamenta. E devemos venerar o que não conhecemos. Respeitar. Dependemos de inúmeros sistemas dentro e fora de nós, e tudo isso em um planeta que gira em um universo em expansão, que não terminou.

A vida gosta de se equilibrar sozinha, é rio que sabe voltar pro leito. A tal da homeostase diz algo simples: a vida quer continuar vivendo. Mas nós, como sociedade, estamos nos desfazendo em um suicídio coletivo. Os modelos que carregavam o mundo enferrujaram, apodreceram, tornaram-se corrosivos e tóxicos, discursos que nos envenenam. Precisamos de novos paradigmas, de outros mitos para contar a vida de um jeito que não devore a própria carne.

O afeto é o fio que costura o dentro e o fora. Quando não sentimos, o pensamento se torna seco, estéril. Se os sentimentos não funcionam, o raciocínio também falha. A consciência é o corpo inteiro em estado de escuta. Pensamos com a pele, com os ossos, com os olhos que olham para fora, em relação com o mundo. Quando sentimos o que o outro sente, abre-se uma fresta: não apenas sabemos que o outro existe — vivemos o outro dentro de nós. Eis a consciência do outro.

É preciso mais do que coragem para expandir — é preciso carne aberta, costura que sangra. E coragem é só rascunho. O que nos moverá é o pacto íntimo com o invisível: amar sem caber no peito, resistir sem caber na pele, confiar, arriscar, mudar, perdoar. A expansão da consciência prioriza diálogo, diversidade e pluralidade — assim como a vida acontece. Um ecossistema é rico quanto mais diversa é a vida que nele habita.

Há de se cultivar a genuína tolerância — nunca exclusão, jamais preconceito. Injustiça não se cura com outra injustiça. Preconceitos e exclusões nos diminuem diante daquilo que poderíamos ser ao abrir-nos ao diferente. O outro é janela. A consciência do outro é imperativa. Se o século XX nos deixou a pergunta “quem sou eu?”, o século XXI exige: “quem é você?”. A expansão da consciência é esse movimento: deixar de ser ilha e tornar-se ponte.

Mas também não podemos validar ações ruins. Desde criminosos nos diversos poderes até o casal de amigos que troca palavras por tapas, é preciso ter empatia, mas jamais validar o que destrói. Neutralidade é ilusão. Todos, mesmo em seus microcosmos de opressões diversas, têm responsabilidade de agir como agentes de mudança. Precisamos escolher com quem seguimos, não apenas pelo que nos oferecem, mas pelo que carregam. Alguns caminhos se alinham à nossa verdade, outros não. Certas presenças não cabem mais ao nosso lado pelos tipos de valores que escolhem praticar na vida real. Caminhar junto é também concordar, e nem tudo se pode concordar. “Diga-me com quem andas, e saberei se posso caminhar com você em paz.”

É preciso manter distância desses descaminhos. Não para condenar, não por rancor, mas para cuidar do próprio propósito de tentar ser melhor, sob o risco de naturalizar o que não concordamos, com um silêncio cúmplice que mata nossos princípios. A escolha deve ser consciente de quem permitimos perto — mesmo com história e carinho. É imperativo caminhar ao lado de quem nos fortalece sem ferir nossas convicções, pois tolerar não significa abraçar, e caminhar junto significa consentir.

Escolher com quem caminhamos não é sobre benefícios pessoais, gostos ou escolhas superficiais — cor, banda ou política. O que importa é o peso da vida que alguém carrega nos ombros: valores, princípios, humanidade, os gestos que semeia no chão por onde passa todo dia, quando ninguém olha. É aquilo que mora embaixo de suas escolhas superficiais, sejam elas erradas ou certas. Escolha quem carrega a vida com dignidade, escolha atitudes conscientes. O resto se afasta sozinho.