Em mim coexistem duas, distintas. A primeira, que chamo de consciência, paira sobre mim, uma observadora externa. Ela me vê, me escuta e me julga. Dissecando meus pensamentos e analisando minhas ações ela fala comigo. Dela emanam as culpas, pois é a guardiã de meus valores e princípios, nela está quem eu sou por escolha e vontade. De sua pele absoluta, brotam e repousam minhas poesias e minhas rezas. Ela canta melodia feita de letra, sorri aberto, estende a mão sem olhar a direção. É tipo casa grande, com janelas abertas e cheiro de bolo no forno de tarde. Aconselha e acolhe, pinta símbolos de sonhos em cores de outono, esquenta lua para passar café estrelado, visita o sideral e tem pressa de viver.
A segunda reside no âmago de meu cérebro tortuoso, forjado na fornalha da sobrevivência em meio ao abuso da vida, uma mina de química corrosiva. Dela é o domínio onde meus pensamentos são triturados e cuspidos, onde repousam os pensamentos que murcham antes de florescerem, envenenando minhas palavras à medida que são vomitadas pela minha garganta. A pele vira um tipo de couraça e tem pressa de morrer.
Quando a segunda toma as rédeas, sinto-me como se estivesse caindo ladeira abaixo sem freios… e sinto na boca do estômago. Torno-me uma ilusão que vagueia em um turbilhão de pensamentos sem audição ou visão, apenas um delírio sensorial que mata e morre. Nestes momentos, o tempo estagna, nada passa, tudo é eterno e minhas ações se assam no calor do momento. Sou compulsões de medos desequilibrados, que alimentados por motivos ilógicos, transformam-se em raiva e aí, não me lembro do que em mim é bem.
Não conheço outro modo de existir. As pessoas deveriam perceber minha autêntica carência de recursos, minha genuína pobreza de controle, meu sufocamento por dentro de uma mente quebrada na formação. Aí passa. Em constante desgaste caio no meio de mim e volto a procurar minha consciência, a verdade de mim. Conheço o gosto da dor que sempre me espera no vazio onde residem tendões, veias, nervos e sangue.
Aí, fico morta e sem alma por um tempo, ou me finjo de morta, desejo estar. E é sempre assim: me arrasto pelos dias carregando minha vida nas costas até voltar totalmente a mim. Cortada por dentro me suicido todos os dias até o renascimento — como se a existência precisasse emergir a partir do que permanece após o que se fragmenta. E assim, volto à beira de mim.