Ainda sou você, a que falava com as árvores. Ainda tropeço nos mesmos medos e a dor de existir só fica mudando de nome, mas morde do mesmo jeito. Saiba que a esperança, ainda usa suas sandálias de plástico. Juro: às vezes, quando ninguém vê, ainda danço igual você dançava— rindo com o corpo, alma solta e o mundo inteiro no umbigo.
Ainda sou você, com o joelho ralado de tanto mundo. Ainda durmo com uma luz acesa. Ainda me confundo entre fé e febre. Crescemos, mas ainda estou aqui, agachada dentro, com os joelhos sujos de idades que vão passando.
Ainda sou você, só que com mais metáforas, mais marcas pelo corpo. Juro: às vezes, no chuveiro, sou você chorando baixo por não saber nomear o que sente. A vida me vestiu de adulto, mas continuo tropeçando em emoções que não terminaram de nascer.
Ainda sou você, ajoelhada inventando rezas. Ainda ando por dentro com os pés descalço, mas agora, sabendo que engolir o choro é veneno. Que pra continuar sendo, é preciso explodir. Ainda mastigo palavras tortas, ainda me comovo com o vento nas folhas.
Ainda sou você, mas com mais poeira nos olhos e umas rugas nas perguntas. Aprendi que a dor, às vezes, vira flor — se a gente deixar de podar o tempo todo. Ainda sou você. E você é a minha parte que não se rendeu. Juro: te lembro pequena, mas foi você quem me carregou até aqui.
(Ao meu eu criança, que era maior que eu.)