Se lembrança qualquer pesa ou veste,
despi-me dela, fiz-me agreste.
Não sou abrigo, nem calmaria,
sou ventre livre, ventania.
Cada um leva o seu peso imposto,
não enfie seu mundo sobre meu rosto.
Nele, só vento, não caridade e nem fingimento.
Não sou espelho, nem sou cais,
nem sou refém de ancestrais.
Suportei fardos que não nasceram
no solo fértil do meu destino —
Formiga leva o peso seu,
não tomo fardo que Deus não me deu.
Já fui amarrada de sonho alheio,
desato, sou meu próprio ato,
pois coração não é cativeiro.
Se a chuva vem, que afogue o chão,
não sou abrigo, nem salvação.
Já carreguei dores que não eram minhas,
mas hoje não faço morada em ruínas.