O cocheiro perdeu a rota e os cavalos estão desconectados, cada um querendo ir para um lado sem se comunicar. Border é uma alma desgovernada.

Em uma de minhas leituras sempre muito aleatórias, mas certeiras rs, me deparei com o livro de Boécio, intitulado “A consolação da Filosofia”.

Boécio, enquanto esteve na prisão, entre as torturas que sofria, resolveu escrever esse livro com muito sacrifício e cuidado. O livro nada mais é do que um encontro com sua grande mestra, a Filosofia, que o consola de todas as suas aflições. Um poder de consolação capaz de neutralizar todas as suas dores psicológicas e emocionais que antecederam a sua execução. Interessante é que Boécio cria uma história na qual a Filosofia aparece personificada em sua cela.

Ele era filósofo e poeta, então, ele mescla em seu livro prosa com poesia de uma maneira muito bela. Nessa história criada, ele conta que estava em sua cela, triste e chorando, poetizando suas lamúrias, suas dores e as injustiças do mundo, e para isso, inúmeras musas estavam à sua volta o inspirando à arte do sentir, até que aparece diante dele uma mulher de beleza austera e severa, que era a própria Filosofia.

A primeira coisa que ela faz é expulsar de lá todas as musas dizendo: “Eu não quero que vocês chorem mágoas de um discípulo meu, formado sob meu comando, não são de lágrimas que ele precisa agora, sumam daqui!” A partir disso, essa mulher começa de várias formas, maneiras e frases fenomenais, a exortar Boécio a banir seus pensamentos perversos e caótico que vêm do descontrole de suas emoções, descontrole esse que ele permitiu que acontecesse.  

Ao longo das páginas, a Filosofia vai mostrando que os descontroles emocionais vêm do como a nossa mente pinta a realidade. Se a tua mente pinta para as tuas emoções realidades cruéis, não há como suas emoções agirem de outra maneira. Ao invés de combater as consequências (emoções descontrolas), é preciso ir lá atrás e ver que tipo de mundo a sua mente está engatilhando, e reposicionar a sua consciência.

  

… BORA FILOSOFAR OUTROS ASPECTOS E REGISTRAR DEVANEIOS:

Platão, em sua conhecida Teoria das Ideias, sugeriu que a personalidade reflete a busca por formas ideais de ser.  A evolução conceitual da psiquê até a ideia contemporânea de consciência é uma jornada que abrange séculos e diversas disciplinas. Inicialmente, com Homero, a psiquê era associada à alma e ao elemento vital, em paralelo com a noção de “soma”, relacionada ao corpo físico. Essa dualidade alma-corpo permeou as reflexões filosóficas antigas, deixando sua marca em várias tradições culturais. E foi com Platão, que a discussão sobre a psiquê tomou um novo rumo.

Platão introduziu a ideia de uma alma tripartida, composta pelas faculdades racionais, espirituais e apetitivas. Ele propôs também a existência de uma alma imortal, separada do corpo material, que buscava o conhecimento e a verdade. À medida que a filosofia evoluiu, a transição para a modernidade testemunhou uma mudança gradual para perspectivas mais científicas, especialmente com o advento da psicologia como disciplina separada no século XIX.

Em “Fedro”, de Platão, uma das passagens mais conhecidas do diálogo é a “Alegoria da Carruagem Alada”, que fala sobre o controle da alma (a alma tripartida, composta pelas faculdades racionais, espirituais e apetitivas). Na alegoria, Platão descreve uma carruagem alada conduzida por um auriga (um cocheiro) e puxada por dois cavalos, um nobre e bom, e outro de natureza oposta. O auriga representa a razão, o cavalo nobre simboliza o espírito nobre e virtuoso, enquanto o cavalo inferior representa os desejos carnais e impulsos não controlados. A narrativa destaca a importância do domínio da razão sobre os impulsos, buscando a harmonia e a virtude.

A dualidade humana se manifesta nos dois cavalos, o nobre e o seu oposto e, o auriga, seria a mente, a razão. A carruagem, então, seria aquilo que liga o auriga ao movimentos dos dois cavalos, ou seja, a alma. O cocheiro precisa dominar a razão e os impulsos, buscando a harmonia de um caminhar feliz, colocando consciência e direção à sua alma (a carruagem).

A carruagem, que em sua totalidade abarca corpo-mente, seria o peso da soma que supera as duas partes? E como a alma, influencia a interação entre mente e corpo? Na verdade, pensar sobre a carruagem, sobre a alma nessa interação holística do ser, poderia influenciar diretamente a percepção da experiência humana.

 A integração da logoterapia de Viktor Frankl e o conceito da tríade da carruagem de Platão pode apimentar ainda mais a nossa reflexão. A logoterapia destaca a busca de significado na vida como um elemento crucial para a direção na qual, o Cocheiro, direcionará suas duas potências, mente e corpo. Ao integrar essas perspectivas, podemos explorar se a busca de significado pode ser vista como a força motriz da integração holísticas (a carruagem) com os três elementos que formam o ser integral (auriga e os dois cavalos – mente e a matéria dual), transcendendo a dicotomia mente-corpo. 

De que forma a alma pode influenciar a interação mente-corpo? Será que ela desempenha o papel de um quarto elemento que molda a experiência consciente e impacta os processos mentais e físicos? A concepção de que os “vazios” na alma podem provocar “balanços” no pensamento e no comportamento sugere, ao meu ver, uma dinâmica não apenas entre mente e corpo, mas também entre mente e alma. Poderíamos, então, investigar como esses desequilíbrios podem ser, às vezes, manifestações do quarto elemento, ou seja, da alma. Afinal, existem inúmeros casos na prática clínica em que a busca de significado tem repercussões na saúde mental e física.