No raiar do ano novo somos eu, a minha gata Pandora e a Lua. A contagem regressiva, como marmotagem, é em direção ao início de contagem. Carro quebrado, meus pés a pé, o destino desatado. Ano novo, carro velho, versos nunca novos, solidão já conhecida, sonho velho, melodia repetida.
Recebo mil convites para outras mil possibilidades de uma noite sem fim, mas de sem fim preferi o buraco de mim, onde a solidão é meu confim. Entre escolhas e caminhos, optei pelo meu abismo escuro, outro dia eu aceito, os convites feitos a mim.
Às 0:40 deitei, mas me deparei com a insônia teimosa e caprichosa de uma mente prestes a se afogar. Pensamentos e sentimentos à espreita, em uma noite a se arrastar.
1:01 calcei tênis, fones enfiados nos ouvidos, sem abrigo saí na rua para andar. Em busca do que não sei, talvez só do ar, talvez do amanhecer, talvez do mar, talvez de um grande amor, talvez só do renascer, ou só respirar. Como se o ar de 2024 escondesse segredos queridos. Caminhando, o ar é alento deste momento conhecido. Respirei fundo, mas hoje respirar é tarefa difícil, no peso do ar, viver parece um desafio intrínseco.
A solidão má se instala, no peito coração vira fardo. Nas sombras do isolamento, sinto o peso do guarda. Suspirei profundamente, inalei vida imprevisível. A solidão, antiga companheira, retorna forte, com cem silêncios para que a alma suporte.
Nas calçadas, cumprimentei plantas alheias como se fossem gente, velhos amigos, sorrisos antigos. Caminhei devagar não querendo alcançar o destino, e a cada passo, tentava compor meu próprio hino. Encontrei algumas flores, como um presente sincero do canteiro da vida, as colhi para mim. Na simplicidade das sugestões da rua, apanhei-as como se fossem pedaços de esperança para o meu sangue carmim.
Caminhei entre conselhos, numa dança do mundo inteiro, criando histórias possíveis para esse cenário. No vazio do novo, aqui estou, me abraçando
primeiro, com as flores que colhi, como símbolo necessário. Mais um recomeço solitário, lenda turva, e a lua observa silenciosa em céu carregado de chuva. O novo ciclo se anuncia, a jornada se reinicia. Entre passos lentos e pensamentos vagos, recebo o ano que chega, abraçando meus passos.
Fico brava, com o silêncio que me lembra das palavras nunca ditas no tempo todo perdido. Uma noite sem amores ou velas, sem brindes ou abraços, só o vazio de promessas vagas nos passos soltos pelo espaço. Agora as flores são minhas, são promessas sozinhas.
Decido, a partir de agora serei rosa com espinhos. A antiga força na delicadeza, e resistência nos caminhos. Na delicadeza da flor, guardarei meu coração, mas meus estímulos serão defesas, prontos para reagir como uma presa. Não serei mais vítima de abandonos, não mais. Em minha força de autor, construirei muros contra despedidas fatais. Nos olhos de Pandora, parceria com doçura. Na pelagem macia, aconchego que perdura. Companheira leal, mia em sintonia. No universo felino, uma certa harmonia.