Há em mim um espaço abstrato, um abismo que engole tudo ao fim de todo dia. Ando mordendo o tempo que me ameaça e me abraça. Queria roer ele. Às vezes escrevo doce, às vezes as palavras já saem ariscas de meus dedos. Às vezes me pego em frente ao papel em branco, mas nada me vem, nada se move.
Onde será que nascem as palavras? Será do mesmo lugar em que nascem as mágoas ou as lágrimas? Ou será do mesmo lugar em que nasce o amor? O meu, brota nos olhos, dentro, sabe? Palavras nascem?
Se palavras nascem, nascem de seus significados, ou os significados nascem das palavras? Palavras morrem? Ou só os seus significados? Ou só quem as dão significado? E as palavras engolidas, que não nascem, são palavras abortadas? E quem é a mãe que não as pariu?
Às vezes eu só queria a palavra certa, aquela consertadora, que redimiria os meus erros francamente cometidos, que resolveria a bagunça estendida do meu ser oxidando. E aqui estou, tentado achar palavras para escrever sentimentos que talvez ainda não tenham nascidos em palavras, ou, tenham se transformado em fetos sempre interrompidos, jamais pronunciados.
Talvez, a poesia seja a parteira dessas palavras não nascidas, guiando-as para fora do útero do silêncio e da repressão, onde podem respirar e soar. Mas, mesmo com a poesia como parteira, algumas palavras permanecem no limbo, suspensas entre o nascimento e o esquecimento. Elas vagueiam nos recônditos da mente, esperando serem socorridas.
Então, me encontro na encruzilhada entre o que é dito e o que é calado. Talvez seja nesse limiar que reside a verdadeira essência da escrita: na tentativa incessante de dar forma ao indizível, de dar voz ao silêncio, de socorrer palavras.
Encaro a página em branco como quem encara um espelho, buscando nas entrelinhas o reflexo de uma alma que ainda não compreendo inteiramente.
Ah! Falar o que desse texto? Palavras não o exprimem, pelo menos agora, que ressoa indizível.