Entre as dobras da alma, há um canto sombrio onde se aninha a falta: o vazio. Somos seres de lacunas, de espaços entreabertos, de perguntas sem respostas. O vazio é a presença ausente que se deita ao lado dos sentimentos e nos emociona, é a poesia por nascer, a lágrima que não consegue descer. É um vácuo de esquecimento de ‘não sei o quê’, onde nossos erros caminham como vultos em lamentos.
Às vezes ele é uma palavra não dita, o abraço não dado, o perdão desencontrado, o medo que ficou no tempo pendurado. O vazio não se abanca, mas vagueia em nós como a sombra de uma nuvem com chuva entalada, que não cai. É saudade antiga, daquilo que nem lembramos, feito do que não vivemos.
E a gente colhe o vazio no pé do quintal, em corriqueiros momentos. É no entremeio das coisas pequenas que o vazio dá as caras e, às vezes, cresce. Ele se aninha no vão entre a casca e o fruto, entre o ontem e o hoje, entre os músculos peitorais e dorsais, ou num vento gelado e penado da noite. É um buraco no meio da alma onde moram as perguntas sem dono.
É o sentimento de ser uma casa sem moradores, uma mesa posta sem convidados. Se eu conseguisse ser mestra das miudezas, encararia esse vazio como coisa cheia. Porque na ausência há sempre uma presença, uma sombra de sonho que não acordou.
Antes de tudo existir, Deus sentiu o vazio de Si mesmo. Era o vazio primordial, profundo, cheio daquele nada que é tudo. E parece que Deus, em Sua infinita solidão, para dividir o vazio que sentia como um pão, deu origem à criação: pedaços de vazio andando por aí descalços, com a promessa de ser e de sentir. Somos fragmentos do Seu desejo de não mais estar só.
Somos todos partes do divino e eterno anseio, nossos vazios se entrelaçam com o grande vazio de Deus numa busca incessante por sentido, por conexão e aceitação, por amor, pelo outro, por aquilo que nem sabemos dizer.
Como acertadamente disse Dostoiévski: “Existe no homem um vazio do tamanho de Deus”. É o vazio que nos une, vazios ambulantes cheios de nada que é tudo, caminhando pela Criação com a ausência de respostas, descobrindo a força das perguntas, no silêncio das solitárias apostas.