São poucas as vezes em
que respiramos como quem vive —
com a calma que o mundo esqueceu,
com o ar entrando, nas narinas abertas,
e saindo devagar na boca, sem pressa.
Ontem mesmo, me deu um ar no peito,
quando vi uma fruta mordida na mesa
quieta, do lado de uma faca suja de pressa —
essas coisas que não sabem correr
e nem falar a língua da respiração.
Respirar é falar em idioma estranho,
é verbo mudo que mora entre as costelas,
é inventar casa no corpo.
Respirar consciente é morar no instante,
é dançar com o vazio tocando o chão.
Poder não é fugir ou lutar —
mas o voltar, mesmo quebrados,
podemos sempre voltar
ao simples milagre de inspirar.
Deixar o ar nos atravessar
é deixar a vida sair e entrar,
num eterno morrer e renascer.
No próximo suspiro, desocupe o peito,
abra espaço para o instante existir.
Deixe o tempo lhe farejar as dobras.
Deixe o mundo lhe atravessar —
no ar antigo, feito Deus pequeno.
Não só com o peito —
respire com as partes
que esqueceram de viver.
Estar vivo é coisa grande.