Natais não são apenas sobre luzes e festas. São também sobre as presenças que vivem nos espaços que deixaram — e que deixamos. O Natal, esse bicho que vem todo ano cutucar nossas frestas, faz sentimentos grandes crescerem entre as costelas. O Natal é altar para as ausências, um ritual sagrado para honrar as saudades. É uma forma de dizer a essas memórias: eu ainda cuido de vocês. Saudade é palavra que só existe porque o coração tem um jeito teimoso de guardar o que é lindo. Saudade não tem pé nem cabeça, só um buraco no meio.

Saudade é irmã da presença, e ambas, com seus olhos de ontem e suspiros feitos de amanhã, colocam suas melhores roupas e vêm porque sabem que nos pertencem. Cada uma traz consigo para a mesa um pedaço do que fomos, um prato do que queremos um dia, uma palavra que não dissemos, um abraço que não deu tempo. À mesa, elas não comem, mas alimentam, fazendo-nos mastigar o que é eterno no efêmero, o medo na coragem, o que é ausência na presença — em uma ceia do que falta em nós com aquilo que nos sustenta.

Estamos escrevendo nosso passado o tempo todo. O tempo não destrói nada, só muda de lugar. O Natal não é o fim de um calendário, mas um instante suspenso, onde o que foi nos visita para nos contar que ainda é. Um caderno que abrimos no meio: de um lado, as páginas já escritas — as lições que grudaram nos pés como barro molhado. Do outro, folhas em branco, esperando pelas palavras que ainda não sabemos que somos capazes de dizer. Uma espécie de retrospectiva com os dedos, tocando o que já foi para sentir o que ainda pode ser. Porque lembrar e planejar também são irmãs.

Todo final de ano, espero Cristo chegar, trazendo luzes nos tamanhos certos para nossos céus abrirem passagem à beleza do agora. Luzes que, como estrelas que sabem seu lugar, lembram o céu de que é hora de se abrir de novo. Para tudo o que ficou… A vocês que partiram — pessoas, sonhos, versões minhas — sinto uma dolorida falta que me lembra que o amor é real, e que viver é doer. Que nada nunca parte por inteiro. E ainda bem.