Hoje não quero falar de coisas bonitas, FOD@$&, preciso escorrer água parada.

Há um universo inteiro dentro do peito, feito de coisas que não têm nome, mas têm peso. Em dias como o de hoje, meus sentimentos parecem um pássaro preso em um arame invisível, batendo asas com tanta força ao ponto de se machucar. É como se estivesse chovendo, mas com gotas que caem para dentro, enchendo um rio subterrâneo de emoções feitas de lama, com textura das coisas que crescem no escuro. 

É uma tristeza bem específica, velha, que nunca se foi, uma tristeza que conhece toda a minha história por dentro. Cresci em um silêncio que não era paz, mas um silêncio feito de medo. Criança, aprendi cedo a ser invisível. O mundo lá fora parecia cheio de pais que eram abrigo, mas o nosso era uma tempestade. Não havia mãos estendidas, só o medo que entrava pela porta ao fim do dia.

Lembro de quando ele chegava em casa. O ar mudava, a casa encolhia. O silêncio era a nossa única defesa. E dentro desse silêncio, eu criava mundos onde existiam outros pais, aqueles que eram abrigo, aqueles que não eram ele. Enquanto as outras crianças corriam para os braços dos pais, eu me escondia nas esquinas da minha própria mente, até ela quebrar. Já quis ser adotada por outra vida, por outro destino, por um pai que me ensinasse a viver sem medo, sem a necessidade de estar sempre alerta, sempre sozinha.

Cresci tentando compreender como viver com o vazio que foi me enfiado, como seguir em frente com o chão sempre parecendo estar prestes a ceder. A vida seguiu, e a infância se tornou saudade do que nunca tive. Ver os outros, já adultos, ainda sendo amparados, recebendo conselhos, sendo acolhidos por pais, é curioso, ainda me dói. É quase uma inveja culposa, de quem deseja ter sido filho. Tenho um pai, vivo, mas nunca conheci o abraço de um pai, um elogio, um olhar de orgulho, um eu te amo. Cresci sem saber o que é ter uma mão que segura a nossa quando o mundo se torna grande demais.

Meu pai, o homem que deveria ter sido meu abrigo, chegou até mim já quebrado, como se alguém tivesse arrancado pedaços dele antes que pudesse ser inteiro. Talvez ele tenha sido moldado pela dor, e em sua dureza, em sua violência, criou outros seres quebrados – eu, meus irmãos, minha mãe. Às vezes, me pergunto quem o quebrou. Quem tirou dele a capacidade de amar, de proteger, de ser o pai que eu precisei? Talvez ele tenha sido um dia como eu, uma criança que sonhava com um pai que nunca chegou. Mas, ao invés de sonhar, ele se endureceu, e assim, a dor passou de uma geração para outra como uma herança transferida por mãos trêmulas e de coração fechado.

O que resta em mim é uma tentativa constante de não me quebrar completamente, uma vontade de ser inteira. Às vezes, me perguntam de onde vem a minha fé, e eu explico que ela nasceu justamente da presença de Deus como o pai que eu nunca tive. Ele quem segurou minha mão nas noites mais escuras, quem ouviu meu silêncio, minhas vergonhas, que me ensinou e acolheu. Com Ele, pude ser filha de verdade – até rebelde. Briguei, respondi, e depois pedi desculpas. Um Pai que sempre me desafiou a crescer.

Para todos aqueles que conhecem o peso das palavras que aqui compartilho, que o seu dia seja um tributo ao amor que você aprendeu a dar a si mesmo. Que vocês sejam capazes de quebrar heranças de dor, que consigam se transformar, transmutar, e oferecer ao mundo aquilo o que sempre desejaram, mesmo sem terem tido. Feliz Dia dos Pais para aqueles que aprenderam a ser pais de si mesmos!