Em meio ao silêncio que precede o ano novo, as palavras se inquietam sem destino certo. Observo a passagem dos minutos como quem contempla o movimento das águas, captando o instante em que o ano, como que em um funil, deslizará para um novo horizonte. Nem sei como pode caber tanta coisa em um ano.

Ao redor, o sertão árido de uma época em que a natureza está doente e o sol ardente, as esperanças brotam no chão ressequido das nossas incertezas. A festa se anunciará em breve nos fogos que estouram como os estampidos dos bacamartes, marcando o frenético tempo que se despede e se inaugura em si mesmo. Nas esquinas desse tempo que muda, sem nada mudar, as pessoas se abraçam, as promessas se entrelaçam, amores se fortalecem ou falecem e as lágrimas se confundem com o orvalho da madrugada que anuncia o primeiro amanhecer do ano que chega, com ou sem permissão.

O relógio, este mestre austero, dita o compasso do adeus e das boas vindas ao novo ciclo, acompanhado pelos sons dos desejos que se ouvem e se falam. As ruas ganham vida própria, como se o tempo adquirisse forma tangível, fluindo entre as esquinas. Este ano, mergulhei nas diferentes facetas da dor, experimentando tanto adversidades inéditas quanto aquelas que já habitavam em mim. Encontrei a oportunidade não apenas de enfrentar dores novas e antigas, mas de uni-las num mesmo percurso. Descobri um tipo de capacidade do amor na maneira que lidamos com nossas dores.

Contemplei o ódio e me tornei amor. Diante da raiva passei a escolher a compaixão. Frente à ingratidão, manifestei a caridade. Perante a mágoa, me transformei em perdão. Observei a morte de muitas coisas e sentimentos, externos e internos, tentei tudo o que eu pude, algumas coisas eu consegui mas outras não. Diante da carência de amor, ainda escolho ser a própria esperança.

No rastro dos fogos de artifício, as estrelas testemunham o espetáculo da efemeridade cochichando que somos apenas passageiros neste vasto universo. Muitas histórias ainda estão por acontecer, muitos sentimentos a florescer e assim, saudamos o ano novo, dançando com a melodia invisível que nos conduz à uma possível eternidade momentânea.

Somos moldados pelos passados que carregamos: o que fizemos com o ano que se foi? E, mais do que desejos convencionais, desejo sinceramente que, ao final deste novo ciclo, possamos celebrar não apenas um Feliz Ano Novo, mas também um Ano Velho repleto de aprendizados, crescimento e memórias significativas. E que, lá na frente, ao concluirmos este novo ano, possamos olhar para trás e saudar mais um ‘Feliz Ano Velho’.